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domingo, 20 de setembro de 2009

Ranchos da ETA – resgatar a memória é preciso





A Escola Estadual Técnica de Agricultura “Dr. João Simplício Alves de Carvalho” – ETA, órgão do Estado do Rio Grande do Sul, localizada na RS 040, Km 16, parada 65, em Viamão, foi fundada em 10 de novembro de 1910, abrigando até hoje alunos provenientes de diversos municípios do estado e do país, permanecendo estes em regime de internato ou semi-internato.

A partir de 1919, os alunos do regime de internato passaram a se reunir em determinados locais, dentro da área da Escola, nos horários de folga, com objetivo de integração, culto as tradições gaúchas e estudos. Daí surgiram os primeiros “Ranchos”, instalações semelhantes aos galpões nativistas, em proporções menores, mas todos possuindo uma lareira, à volta da qual se reuniam para momentos de interações e trocas. Nestas instalações rústicas, os alunos externavam toda forma de expressão, como pinturas, placas, adornos, canteiros, música, esporte, formação política e social. Um dos primeiros Ranchos, o São Jerônimo, teve como membro o então aluno da Escola, Leonel de Moura Brizola. Com o passar dos anos chegaram a um total de trinta e um Ranchos.

A cada ano letivo, novos alunos eram selecionados, principalmente por afinidade afetiva com os integrantes de cada Rancho, para que passassem a compor aquele grupo. Desta forma, eram constituídas verdadeiras “famílias”, cujos componentes zelavam pelo culto às tradições de cada rancho, alem da conservação e melhorias dos mesmos. Em meados de 1999 os Ranchos foram fechados. Desde então, várias foram às tentativas de reabertura dos mesmos, por parte de alunos e ex-alunos, sem êxito. Em decorrência do desuso, vêm sofrendo depredações e deteriorando-se pela falta de conservação. Por entender da importância dos referidos elementos na formação de centenas de pessoas, do valor histórico e cultural que representam, a Assembléia Legislativa aprovou, em 13 de maio de 2003, a Lei n.º 11918/03, de autoria do Deputado Estadual Giovani Cherini, sancionada pelo governador em 04/06/2003, que declara os referidos Ranchos como patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio Grande do Sul.  Segundo o historiador, ex-aluno e professor da ETA, professor Mozart Pereira Soares, em seu livro ETA – Escola Técnica de Agricultura Dr. João Simplício Alves de Carvalho – Uma contribuição da História, nos oferece relato sobre os Ranchos: “Entre as singularidades da Escola Técnica de Agricultura, figuram os Ranchos. Não se tem notícia da existência de entidade similar, em parte alguma, seja em instituição de ensino ou de outra natureza. Segundo uma vaga tradição, o primeiro rancho surgiu em 1919 e se chamou São Jerônimo, provavelmente por contar entre seus organizadores com um ou mais elementos originários daquele município gaúcho. Como os atuais, o São Jerônimo seria o resultado natural de um pequeno grupo de amigos, reunidos à sombra de árvores, para conversar, tomar chimarrão, nos intervalos das aulas... Em geral os Ranchos refletem o estilo das comunidades de origem dos elementos predominantes em sua composição... Embora moldados sobre um plano comum, cada Rancho é uma peça de feição própria. Todos apresentam um salão de reunião, lareira, pequena cozinha com fogão de chão ou fogão de lenha, cadeira para os componentes e visitas, estandes para livros, pequenas mesas para estudos, além de objetos decorativos nas paredes. Nestas ainda se registram lembranças de antigos ocupantes do rancho, com seu nome, apelido e procedência. Não raro, artista de talento imprimem, nos móveis ou muros, retratos ou caricaturas, constituindo uma parte da história viva do Rancho. No exterior a presença do jardim é constante. Os Ranchos abrangendo todas as áreas vagas dos arredores da Escola constituem no mínimo, uma moldura decorativa para as edificações. Arquitetonicamente os Ranchos resumem, aproximadamente, a evolução da moradia rústica do Rio Grande do Sul.”             

Com o término do ciclo dos Ranchos, alguns aspectos já podem ser visualizados de forma consistentes na Escola. O primeiro deles, está na desorganização social da classe estudantil. A grande conquista do Centro dos Estudantes dos Cursos Agrotécnicos - CECAT ao longo de sua história foi sem dúvida a autonomia e a construção de um movimento estudantil sólido que sempre serviu de alicerce aos interesses dos alunos. Hoje, temos uma agremiação desestruturada, em regime de decadência, necessitando até mesmo de intervenção por parte da direção. O fortalecimento sempre se deu a partir do enraizamento e união dos componentes dos Ranchos, hoje inexistente. Convém também salientar que a redução da faixa etária dos atuais alunos também contribui para este processo bem como a procedência dos alunos, que antes era quase que exclusiva do interior e hoje isto não ocorre mais com tanta intensidade.

Outra perda crucial está nos aspectos paisagísticos do entorno da Escola. Nestes locais, havia diferentes formas e contornos únicos, com caminhos, flores, cercas-vivas, que sempre foram uma das marcas daqueles espaços, pois traduziam um pouco da diversidade dos componentes, oriundos das mais variadas regiões do estado e do país. Hoje, são características que estão se perdendo.                          

Finalmente, chegamos à maior de todas as perdas – a estrutura física dos Ranchos. Muitos estão caindo, sendo arrombados, suas placas e objetos são furtados ou destruídos. Perde-se a arte, a história e a vida destes importantes elementos que sempre guarneceram as características da formação do estado em todos seus aspectos. Questões como as Festas de Ranchos estão somente na memória daqueles que as vivenciaram. O fechamento e o abandono não representam a verdadeira história da Escola e dos próprios Ranchos e são um desrespeito a memória de todos aqueles que ao longo dos anos, participaram desta construção.

Neste sentido, é necessário a união em torno de um grande movimento, que busque, num primeiro momento, o resgate histórico de cada um destes Ranchos para assim consolidar seu valor no processo de construção de uma geração de cidadãos que tem mostrado na prática a sua importância a nação, nas mais diferentes áreas, seja técnica, política, social ou econômica. Uma outra questão, está na construção de propostas que permitam aos Ranchos cumprirem sua função dentro da Escola e ainda, implementar ações práticas agregadas a projetos e programas do governo, de Organizações Não Governamentais e Empresas de acordo com o novo perfil de aluno que a Escola possui na atualidade.

É necessário e urgente promover o resgate cultural, histórico e social dos Ranchos da ETA, buscando sua recuperação física e estrutural, através de projetos e ações contínuas e permanentes, agregando parcerias com entidades da esfera pública, privada e da sociedade civil, fazendo assim, com que estes elementos contribuam sistematicamente com a formação ética, cognitiva e pedagógica dos educandos e também instrumentalizar mecanismos de envolvimento da comunidade neste processo.

5 comentários:

  1. Grande Amigo, Parabéns por estar e ser uma pessa que tem iniciativa e garra para puxar essa discussão, pois os ranchos possuem toda uma história por tras que deve ser respeitada e admirada. Continue nessa lida e vou buscar umas fotos do Rancho Castelo para fazer parte deste blog. Abraço e tdbom

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  2. Meus parabens pelo blog, acho que vai servir como uma das fontes que pode trazer e fazer convergir muita energia para que se desencadie um movimento de reconstruçao dos ranchos e de uma seria associaçao de ex-alunos. Obrigado pelo grande esforço.
    Mauro Heck/ Estatua-76/78

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  3. Emocionante demais mergulhar nesse espaço, nós, que tivemos e vivemos dentro de um Rancho cuja chama não se apagava nem com chuva.
    Que força, que vida, que movimento a ETA ainda faz vibrar dentro de nós. Naquele dia da festa a gente percebia essa comunhão, essa cumplicidade entre os eteanos. Só faltava uma coisa: a lareira para aquecer o mate. Ironicamente, tudo o que sobou do Minuano foi uma ponte, somente a ponte que nos conduzia à Ilha dos Amores, nossa Veneza. O resto a natureza tratou de sucumbir através do mato, mas o tombo não teria antes uma mão a atear aquele malvado fogo que a tudo virou cinza?

    Bruno Brum Paiva/Bhagulho - 1984/86
    Real Rancho Minuano - 1957/92

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  4. Eis ai,... trechos de uma poesia, que representa muito bem, a agonia de nossos queridos companheiros "ETEANOS" que tiveram o privilégio de ter um rancho na nossa querida ETA,que mesmo tapera ainda encantam e nos faz brotar uma imensa nostalgia,.. e que gostariamos de mostrar orgulhosos a nossos filhos.
    Agora...Só os vultos andejantes do minuanoVisitam minhas paredes carcomidas E alguns fantasmas impiedosos de outra vida Ainda mateiam nas lareiras destruídas;Ectoplasmas dos dias bem vividos Que, nas noites horrendas de hora incalma,Buscam charlas com os espectros dessa almaComo se não estivessem mortos e perdidos! Porém...Quando se dizimar o último tijolo Sobre o útero do barro em que foi feito,Por certo irá brotar sobre esse leito Apenas sementes de flores e de heraspra que essa alma, lúgubre tapera,Descanse em paz nas garras das raízes,Sorvendo néctar de dias mais felizes Para exalar em outras primaveras!

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  5. Que incrível lembrança ! De vez em quando eu comento com meus filhos e com amigos.

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